"Tragédia moral
Trata-se de reformar o futebol para que respire na sua dimensão atlética; de restituir ao árbitro a sua missão pedagógica
A investigação criminal deu por concluída a primeira fase da operação Apito Dourado, levando a tribunal um rol de duzentos arguidos.
Seja qual for a evolução do processo, já referenciado nestas colunas, estamos perante um grave descalabro das consciências e uma séria ameaça ao futuro do futebol em Portugal. Sabe-se que mesmo os suspeitos não pronunciados raramente conquistam na avaliação das provas o galardão da inocência porque o que fica é isso mesmo: a insuficiência da prova ou até mesmo a simples dúvida, que na enciclopédia jurídica opera a favor do réu.
Mas duzentos arguidos espelham desde logo uma rede de ilicitude de proporções tentaculares, cujos agentes manobrariam a seu talante, beneficiando do tráfico de influências e de interesses em que a organização dá sinais de se prostituir.Não culpemos apenas nem principalmente os árbitros. Aqui há anos, a UEFA circulou às federações nacionais um convite por escrito para que comunicassem o que no seu âmbito ocorreria de suspeito. Não era gratuita a desconfiança.
Quem observasse certos jogos e incidências com olhos de ver notaria que no lastro das competições crescia perigosamente a indisciplina e nessa desordem se insinuavam comportamentos estranhos.
As federações ou responderam com evasivas ou simplesmente se fecharam em copas.
O "Top Executive" de que falei nesta secção há oito dias vai na mesma linha de preocupações. É preciso desgafar o futebol da lepra que o corrói tomando a arbitragem como instrumento. De resto, em Portugal, à medida em que avançava a investigação, diminuíam os "erros" suspeitos e principalmente iam desaparecendo os erros sempre a favor dos mesmos.
Mas não chega. A doença não se cura se não se lhe suprimir a causa. As regras do futebol levaram um século a definir-se sob o escopo de tornar o golo suficientemente difícil para conferir brilho aos resultados, estímulo aos atletas e interesse ao espectáculo. O processo esgotou-se. As regras essenciais perderam o seu normativo, confinadas na letra que mata. A maior parte dos jogos são enormes embaçadelas de acidentes e faltas.
É preciso reencontrar a verdade do jogo - no próprio jogo!
Trata-se de reformar o futebol para que respire na sua dimensão atlética; de restituir o árbitro à sua missão pedagógica, livrando-o de cair em tentações; de clarificar o fenómeno desportivo para que não se converta na tragédia moral do "apito dourado". "
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